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Alexis Duval, Tereos: “O futuro da indústria açucareira europeia requer uma estratégia internacional”
O presidente da Tereos, Alexis Duval, concedeu entrevista ao Jornal da Economia, na França, sobre os desafios do mercado europeu e do mundo. Confira:
O modelo agrícola está hoje sob a pressão de uma injunção paradoxal: deve se adaptar aos novos desafios nutricionais e ambientais e ser, ao mesmo tempo, hipercompetitivo. A Tereos experimentou com sucesso essa triangulação no setor açucareiro europeu, que, no entanto, é frenético, marcado por uma diminuição do consumo e pela liberalização. O grupo francês do açúcar, o terceiro maior do mundo, enfrenta com confiança os desafios da globalização e da transição alimentar. Na véspera do 57º Salão Agrícola, que se inicia no próximo sábado em Paris, encontramos o seu Presidente, Alexis Duval.
O Salão Agrícola abre-se num contexto de crescente preocupação com a extinção de muitos setores. Como você analisa a situação da agricultura francesa?
Basta observar a evolução da balança comercial da França: a agricultura, fonte histórica de superávit, está a ponto de se tornar deficitária. Isto significa que a França tem de importar cada vez mais produtos agrícolas e alimentícios. Além dos números, isto levanta questões do ponto de vista de sua soberania, sua capacidade de continuar preservando seu modelo alimentar e de desenvolver seu imenso potencial agrícola. Há um desafio de preservar a atividade e os empregos no território, face à concorrência internacional que está constantemente ganhando terreno. Os mercados foram abertos à concorrência global e liberalizados. A agricultura europeia e a indústria agroalimentar sofrem agora a concorrência feroz dos alemães e dos vizinhos europeus do norte, além daquela do Brasil, Tailândia ou Índia.
O setor açucareiro está particularmente exposto a esse fenômeno.
Esta é de fato uma das principais questões no atual movimento de reestruturação da indústria açucareira europeia. Num mercado europeu marcado por uma queda estrutural no consumo de açúcar, só uma estratégia de desenvolvimento e crescimento em nível internacional pode preservar as perspectivas futuras. A lógica de esperar ou fechar-se em si mesmo conduz inevitavelmente a um círculo vicioso de fricção, com resultados fatais. Para manter as nossas atividades em solo francês, hoje temos de ter uma competitividade à altura dos melhores do mundo, ao mesmo tempo que aumentamos os mercados de exportação em crescimento. Caso contrário, a indústria açucareira europeia estará condenada a um círculo vicioso de reestruturações.
A competitividade do setor da beterraba francesa como um todo é também estratégica para a Tereos. Como é que vocês lidam com esse desafio?
Primeiramente através de uma relação forte e duradoura com os agricultores cooperados da Tereos. Sem beterrabas não há fábrica, e sem fábrica nada de beterrabas. O sucesso é necessariamente coletivo. O compromisso dos cooperados (com a contratação de +20% de beterrabas desde 2017, lembremos) tornou-se um fator chave em um ambiente de incerteza crescente. Os excelentes resultados obtidos pela Tereos em termos de contratualização com seus cooperadores, apesar da violenta crise do açúcar que o setor vive desde 2017, demonstram a nossa solidez. Só uma visão estratégica de longo prazo permite trabalhar ao longo do tempo para adaptar os nossos modelos e práticas às tendências fundamentais.
Quaisquer que sejam os setores econômicos, competitividade rima com inovação. A quantas anda a Tereos neste aspecto?
Para nós, a inovação é uma questão evidente e uma necessidade, que se expressa tanto nos métodos como nas ferramentas. Por exemplo, temos um programa de transformação industrial, que está tomando forma na França com a implementação este ano de nossa primeira “fábrica 4.0 conectada” da Europa, localizada em Connantre (Marne), um conceito que já provou seu valor no Brasil. Do ponto de vista logístico, estamos lançando a generalização do LogiSmart, um software que nos permite otimizar em tempo real o transporte de beterrabas para as fábricas, e economizar potência do veículo e combustível. A exploração de big data nos permite ir mais longe na otimização dos processos de produção e parâmetros operacionais dos equipamentos. Na vertente agrícola, estamos atentos a tudo o que nos possa ajudar a avançar entre o monitoramento agrícola e a agricultura de precisão. Também estamos inovando pelo lado dos produtos, com combustíveis verdes avançados (como o ED95), novos produtos de proteínas vegetais, e na reformulação de produtos adoçantes mais saudáveis de origem 100% natural.
Será que a Política Agrícola Comum (PAC), atualmente em discussão, permitirá corrigir os principais desequilíbrios que o setor do açúcar e a agricultura francesa no seu conjunto enfrentam atualmente?
Após o fim do regime de quotas, a reforma da Política Agrícola Comum europeia (PAC) é de fato um marco importante para todo o setor. Daremos particular atenção à reforma dos subsídios governamentais. Os “subsídios associados” de que certos países usufruem criam, na sua forma atual, uma distorção significativa da concorrência entre os Estados Membros, em detrimento da França. Esta é uma das razões pelas quais as fábricas de açúcar fechadas na Europa pelos nossos concorrentes afetam a França neste momento.
No entanto, o impacto econômico do setor nos territórios está longe de ser neutralizado.
Para ilustrar isto, uma única cifra: 10,5. Esta é a relação multiplicadora entre os empregos diretos da Tereos nos territórios franceses e os empregos criados pelas repercussões diretas e indiretas para os territórios e as ofertas de emprego. O setor do açúcar dinamiza e cria valor para todos os stakeholders: agricultores, que produzem a beterraba, empregados da fábrica, fornecedores e terceirizados, e ademais para todo o ecossistema: comércio, serviços de proximidade e inclusive recolhimentos de impostos.
Por falar em proximidade, o “consumo local” e a economia circular são hoje verdadeiras tendências em alta. Essas tendências podem ser conciliadas com a dimensão internacional da Tereos?
A lógica do circuito curto está no núcleo do nosso modelo! O açúcar produzido nas nossas fábricas provém de beterrabas oriundas de 50 km de distância em média. Algumas das fábricas dos nossos clientes estão muito próximas das nossas. O bioetanol, produzido a partir de resíduos da produção de açúcar, é também uma fonte de energia sustentável, produzida localmente, oferecendo novos mercados para os agricultores. É um modelo virtuoso e sustentável, alicerçado nos territórios, e que, como você aponta, corresponde às expectativas atuais da sociedade e dos consumidores.
Que lugar ocupa o Desenvolvimento Sustentável dentro da estratégia da Tereos?
A sustentabilidade está no coração do modelo e do compromisso da Tereos. É um dos pilares fundamentais do nosso programa de transformação “Ambições 2022” e apoiamos, desde 2017, os compromissos da ONU pelo desenvolvimento sustentável. Aderimos ao seu programa e estamos comprometidos, diariamente, com sete dos seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, mais de 60% dos nossos produtos agrícolas são agora certificados como sustentáveis por programas tais como o SAI e o Bonsucro. Na França, 100% dos nossos cooperados são classificados como “ouro” e “prata” pela plataforma SAI para a beterraba. Nossas equipes também se comprometem diariamente a trabalhar ao lado dos agricultores para desenvolver práticas agrícolas que combinem desempenho agronômico e respeito ao meio ambiente. O nosso modelo, que geralmente se baseia em relações estreitas e de longo prazo com o mundo agrícola, permite-nos controlar as práticas ao longo de toda a cadeia de valor e garantir aos nossos clientes o abastecimento a partir de cadeias de produto diretas e seguras. Estamos também fortemente empenhados na transição energética das nossas fábricas, na descarbonização das nossas operações logísticas e de transporte. As nossas atividades no setor do açúcar francês acabam de receber nota A pela nossa gestão da energia, o que nos torna um dos atores mais eficientes da indústria agroalimentar.
Entrevista concedida em 24 de Fevereiro de 2020 ao Jornal da Economia, França: https://www.journaldeleconomie.fr/Alexis-Duval-Tereos-l-avenir-de-l-industrie-sucriere-europeenne-passe-par-une-strategie-internationale_a8483.html